A eternidade numa hora
Rubem Alves
2017, Planeta
Sinopse:
Coletânea de três outros livros de Rubem Alves, todos inspirados na poesia do inglês William Blake, A eternidade numa hora reúne crônicas que permitirão ao leitor o mais profundo contato com o que a prosa desse grande escritor brasileiro revela.
Com Um mundo num grão de areia, O céu numa flor silvestre e O infinito na palma da sua mão reunidos em uma única edição, será possível compreender o quão sublime e magnífico é o mundo, a riqueza e infinitude do universo humano e toda a beleza divina - manifestada nas artes, na natureza e nas descobertas humanas. Estes são os temas das crônicas aqui reunidas.
Tocar o infinito, viajar pelo mundo irrevelado que habita cada ser humano como um minúsculo grão de areia e contemplar a beleza que as palavras de Rubem Alves capturam. Seu olhar certamente está transformado ao final da leitura desse livro.
Vou começar a falando que essa capa foi encanto a primeira vista... olha pra ela... estou certa ou não?
Como essa linda edição contempla três obras do autor, vou falar um pouco sobre cada uma delas separadamente, ok? O que mais me tocou em cada um deles.
Um mundo num grão de areia
O ser humano e seu universo
Amor, mãe, morte, medo, drogas, pai, bagunça... esses são alguns dos temas abordados em Um mundo num grão de areia. Textos curtos, mas que provocam uma reflexão imensa no leitor. Vou falar de um em especial que me tocou demais: O pai.
"Era isso que eu queria ser. Eu queria ser ninho para os meus filhos pequenos. Queria que meu corpo fosse um ninho-penugem que os protegesse, um ninho que balança mansamente no galho de uma árvore ao ritmo de uma canção de ninar...".
É incrível como poucas palavras podem resumir tão bem o sentimento de pais ao olhar o filho pequeno, indefeso. E é isso que Rubem Alves fez tão bem em O pai. Transformou em palavras o amor protetor dos pais. A insegurança e pavor que nos acomete durante a adolescência quando os filhos começam a bater suas asas fora do ninho. Seguida do alívio ao ouvir a porta bater na madrugada, sabendo que o filhote retornou.
E o medo maior: a solidão do ninho não ser mais ninho.
"Sei que é inevitável e bom que os filhos deixem de ser crianças e abandonem a proteção no ninho. Eu mesmo sempre os empurrei para fora.
Sei que é inevitável que eles voem em todas as direções como andorinhas adoidadas.
Sei que é inevitável que eles construam seus próprios ninhos e eu fique como o ninho abandonado no alto da palmeira...
Mas, o que eu queria mesmo, era poder fazê-los de novo dormir no meu colo..."
O infinito na palma da sua mão
O sonho divino ao nosso alcance
No segundo livro que compõe essa edição, um dos textos que mais me chamou a atenção foi Minha herança, onde Rubem Alves nos fala sobre o que de mais valioso podemos deixar aos nossos herdeiros. Uma reflexão sobre o que realmente importa na vida. Simples, mas podemos passar pela vida sem nos dar conta disso.
"Eu quero deixar um pedaço de mim. Pedaços de mim são as coisas que eu amo. Tenho imóveis, um carro e alguns investimentos. Mas não sinto alegria alguma ao pensar nessas coisas. Elas não fazem parte de mim.
Desejo deixar pedaços da minha alma para os meus herdeiros. E a minha alma é feita de poesia e música.
Preciso fazer um índice dos meus poemas favoritos, para que meus herdeiros possam encontrá-los. Eles saberão que, ao ler os poemas que amo, estarão comigo".
Sobre deuses e rezas também tocou em um ponto delicado das devoções. Será que quem sempre fala de Deus é quem realmente está mais próximo Dele? Veja a reflexão que o autor nos trás:
"Pois Deus é como o ar. Quando a gente está em boas relações com ele, não é preciso falar. Mas quando a gente está atacada de asma, então é preciso ficar gritando por Deus Do jeito como o asmático invoca o ar. Quem fala com Deus o tempo todo é asmático espiritual. E é por isso que anda sempre com Deus engarrafado em Bíblia e noutros livros e coisas de função parecida. Só que o vento não pode ser engarrafado..."
Um céu numa flor silvestre
A beleza em todas as coisas.
No último livro, Rubem Alves nos fala sobre as belezas das mais diversas formas: a beleza revelada pelo divino, a beleza das artes, da natureza e as que o Homem cria e descobre. Me chamou a atenção outro texto sobre Deus, Esquecer para lembrar em que ele nos compara com uma casa antiga que foi pintada diversas vezes, sendo uma tinta coberta por uma nova até que o parede original fica total encoberta. Assim seria nossa relação com muitas coisas no mundo, inclusive Deus.
"Ao nascermos, somos pinho-de-riga puro. Mas logo começam as demãos de tinta. Cada um pinta sobre nós a cor de sua preferência. Todos são pintores: pais, avós, professores, padres, pastores. Ate que o nosso corpo desaparece. Claro, não é com tinta e pincel, é com a fala. A tinta são as palavras. Falam, as palavras grudam no corpo, entram na carne. Ao fim, nosso corpo está coberto de tatuagens, da cabeça aos pés. Educados. Quem somos?"
"Nossos olhos, espelhos, através dos anos, foram sendo cobertos com as pinturas que os religiosos diziam ser imagens do rosto divino. E o espelho deixou de ser espelho. Agora olhamos bem para ele e o que vemos não é o rosto de Deus, mas as palavras que os homens escreveram sobre ele: caricatura grotesca, que não é possível amar.
É preciso restaurar o espelho (...)".
A eternidade numa hora foi para mim uma leitura diferente do que estou acostumada. Uma pausa, muito bem-vinda, entre romances, suspenses policiais e os demais livros que me atraem naturalmente. E foi uma leitura gostosa, leve, apesar dos temas abordados. Alguns textos promovem uma reflexão maior, outros menos, mas em sua maioria são interessantes pensamentos. Um livro para ter na sua estante e retornar a ele sempre que quiser.
Com certeza, uma leitura que vale a pena!